segunda-feira, 9 de julho de 2012

Quebra-cabeças indutivos


Alguns tipos de quebra-cabeças podem ser resolvidos através da aplicação do princípio da indução. Na maior parte dos casos, o quebra-cabeça envolve vários participantes com uma capacidade de raciocínio e a solução do quebra-cabeça é baseada na identificação de um caso óbvio (caso base), e a solução do problema é obtida a partir da solução de casos menores (passo de indução) aplicando um raciocínio dos participantes. 

O assunto de indução é um assunto bastante recorrente nesse blog:

A seguir, vamos mostrar alguns exemplos de utilização mais criativa da indução para resolver quebra-cabeças:

Exemplo1:
Um número ímpar de pessoas está em um campo com distâncias distintas entre eles. Ao mesmo tempo, cada pessoa joga uma torta em seu vizinho mais próximo, acertando essa pessoa. Use a indução matemática para mostrar que há pelo menos um sobrevivente, ou seja, pelo menos uma pessoa que não é acertada por uma torta. Este problema foi introduzido por Carmony [Ca79]. Retirado do livro Matemática Discreta e suas aplicações [Ken09].

Considere P(n) como a proposição de que há um sobrevivente sempre que 2n+1 pessoas estiverem paradas em um campo com distâncias diferentes entre elas e cada pessoa joga uma torta em seu vizinho mais próximo. Para demonstrar esse resultado, mostraremos que P(n) é verdadeira para todos os números inteiros positivos. Note que uma pessoa não pode ser atingida em uma  guerra de tortas porque não há ninguém mais para jogar a torta.

CASO BASE: Quando n=1, há 2n+1 = 3 pessoas na guerra de tortas. Dessas três pessoas, suponha que o par mais próximo seja A e B, e  C seja a terceira pessoa. Como a distância entre os pares de pessoas é diferentes, dist(A,C) != dist(B,C) != dist(A,B) e  dist(A,C) != dist(B,C) > dist(A,B). Temos que A joga a torta em B e  B joga a torta em A, enquanto C joga a torta em A ou B. Assim, C não é atingido por nenhuma torta. Isso mostra que pelo menos uma das três pessoas não é atingida por uma torta, completando o passo base.

PASSO DE INDUÇÃO: Para este passo, assuma que P(k) seja verdadeiro. Devemos mostrar que se a hipótese indutiva P(k) é verdadeira, então P(k+1) também é verdadeira.

Suponha que tenhamos 2(k+1)+1 = 2k+3 pessoas em um campo com distâncias diferentes entre os pares de pessoas. Considere A e B como o par mais próximo de pessoas nesse grupo de 2k+3 pessoas. Cada uma delas joga uma torta na pessoa mais próxima, A e B jogam as tortas entre si.
CASO I:
Se mais alguém jogar uma torta em A ou B, então pelo menos três tortas serão jogadas em A ou B e no máximo (2k+3) - 3 = 2k são jogadas nas 2k+1 pessoas restantes. Isso garante que pelo menos uma pessoa será sobrevivente, pois se cada uma dessas 2k+1 pessoas foram atingidas por pelos menos uma torta, um total de pelo menos 2k+1 tortas foram jogadas nelas. (Princípio da casas dos pombos)

CASO II:
Se ninguém mais jogar uma torta em A ou B. Além de A e B, existem 2k+1 pessoas. Como a distância entre os pares dessas pessoas são todas diferentes, podemos usar a hipótese indutiva para concluir que há pelo menos um sobrevivente S quando essas 2k+1 pessoas jogam as tortas em seus respectivos vizinhos mais próximos. Além disso, S também não é atingido por qualquer uma das tortas jogadas por essas 2k+3 pessoas.

Exemplo 2:
Em uma reunião de N sábios lógicos, N >= 3, são distribuídos aleatoriamente chapéus que podem ser branco ou preto, sobre as seguintes circunstâncias:
a) Cada sábio pode ver os chapéus de todos os outros participantes da reunião, mas não pode ver seu próprio chapéu;
b) Os participantes da reunião não podem se comunicar.
c) Existe pelo menos um sábio lógico com um chapéu preto.
Se existir apenas um chapéu preto, exatamente depois da primeira hora, somente o sábio lógico com o chapéu preto deve levantar a mão. Se existirem n sábios lógicos com chapéus pretos, exatamente depois da n-ésima hora, somente os n sábios lógicos com chapéus pretos devem levantar as mãos.

Considere P(n) como a proposição de que se existirem n chapéus pretos na reunião dos sábios lógicos então os n sábios lógicos com chapéus pretos vão levantar as mãos exatamente na n-ésima hora. Observe que o problema garante que existe pelo menos um sábio lógico com um chapéu preto.

CASO BASE: Suponha uma festa com apenas um chapéu preto. Podemos separar os sábios em dois casos:
Caso 1: O sábio lógico que está com o único chapéu preto pode ver o chapéu dos outros participantes da festa. Este sábio vê apenas sábios com chapéus brancos, então ele deduz que está com o chapéu preto. Na primeira hora, este sábio levanta a mão.
Caso 2: O sábio lógico, que não está com o único chapéu preto, pode ver o chapéu de todos os outros participantes da festa. Este sábio vê outro sábio com chapéu preto e não faz nada na primeira hora. Depois da primeira hora, ele descobre que a cor do seu chapéu é branca porque o sábio que levantou a mão viu a cor do seu chapéu.
PASSO DE INDUÇÃO: Para este passo, assuma que P(k) seja verdadeiro. Devemos mostrar que se a hipótese indutiva P(k) é verdadeira, então P(k+1) também é verdadeira.

Suponha uma reunião dos sábios com n+1 chapéus pretos. Por hipótese de indução, ninguém levantou a mão na n-ésima hora. Podemos separar os sábios em dois casos:
Caso 1: Os sábios que estão vendo n chapéus pretos. Por hipótese de indução, ninguém levantou a mão na n-ésima hora porque temos n+1 chapéus pretos. Então cada sábio que viu n chapéus pretos deduz que está com chapéu preto também. Observe que teremos n+1 sábios satisfazendo essa afirmação. Na (n+1)-ésima hora, todos esses sábios vão levantar a mão.
Caso 2: Os sábio que estão vendo n+1 chapéus pretos. Por hipótese de indução, ninguém levantou a mão na n-ésima hora porque temos n+1 chapéus pretos. Este sábio não faz nada na (n+1)-ésima hora. Depois da (n+1)-ésima hora, ele descobre que a cor do seu chapéu é branca porque os outros sábios que levantaram a mão viram a cor do seu chapéu.


O quebra-cabeça dos chapéus é um problema de lógica que remonta desde 1961 [Gar61]. Uma variação deste problema foi apresentada por Todd Ebert em 1998 [Ebe88] na sua tese de doutorado. Na sua variação, os jogadores podem colaborar em times e decidir uma estratégia antes do jogo começar. Contudo, os jogadores tem somente uma chance de  decidir a cor do seu chapéu. Este problema tem uma conexão interessante com teoria da informação e a teoria de jogos cooperativos.


Outros referências:
An Introduction to Infinite Hat Problems
Prisoners and hats puzzle
A Dozen Hat Problems
The Hat Problem
The Hat Problem And Some Variations



[Ca79]L. Carmony, "Odd Pie Fights", Mathematics Teacher 72 (January 79) 61-64 
[Ken09] Matemática Discreta e suas Aplicações , Kenneth H. Rosen , Mc-Graw Hill, Tradução da 6a. edição em inglês, 2009, ISBN 978-85-77260-36-2.
[Gar61] Martin Gardner. The 2nd Scientific American Book of Mathematical Puzzles & Diversions. Simon and Schuster, New York,
1961
[Ebe88] Todd Ebert. Applications of recursive operators to randomness
and complexity. PhD thesis, University of California at Santa
Barbara, 1988.


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